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Artigo: O Leviatã sobe o Morro

Por Marelo Lima – Estamos vivendo momentos inéditos na história brasileira. Assim como na passagem do feudalismo para modernidade, quando o liberalismo fez surgir o Estado Democrático de Direito, ente racional e instância de comando capaz de subsumir o poder teocrático da igreja e a capacidade bélica das monarquias decadentes na Europa na passagem dos séculos XVI, XVII e XVIII. Como explica Hobbes, para preservar os membros da sociedade da luta de todos contra todos, em nome da preservação da vida, da propriedade e da liberdade, ergue-se o Leviatã, figura mítica que se afirma na medida em que caça o direito dos indivíduos de resolverem por suas próprias iniciativas e pelo confronto direto, suas diferenças, suas desigualdades e suas discordâncias que passam a se submeterem apenas ao arbitramento da lei.

 

De modo não tão semelhante, mas de maneira identicamente inédita para cada época, vivemos o alvorecer do Estado brasileiro, sobretudo em lugares onde lei não existia, onde a modernidade e o Estado Democrático de Direito jamais tinha ocorrido. Com moradias ilegais, comércios ilegais e relacionamentos sociais mediados pela força e pela territorialidade, milhões de brasileiros, sobretudo, cariocas viviam e ainda vivem em favelas: lugares de habitações subnormais onde a paz se conquista vez pela violência vez pela subordinação.

Cidadãos brasileiros vivem há décadas sob o julgo dos meninos-senhores feudais do tráfico que com sandálias de dedo, fuzis e roupas de marca obrigam, em cada comunidade, milhares de trabalhadores e pessoas de bem a se submeterem à seus caprichos ocupando suas casas, violentando suas filhas e irmãs e definindo como deva ser o cotidiano de horários e locais desses cidadãos pagadores de impostos que precisam descer para o asfalto para verem funcionar a sagrada constituição brasileira que diz: a) todos são iguais perante a lei, b)todos tenho direito de ir vir e c) ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer algo se não em virtude da lei etc.

Hoje vemos o Estado subir o morro para exercer uma antiga prerrogativa, como dizia Max Weber: o monopólio legítimo da força sobre a completude do território brasileiro e para a totalidade dos homens e das mulheres desse país, que desde a proclamação da república lhe era devido, por isso o caráter inédito de sua ação. Mas há ainda alguns riscos: essa ação além de ter que ser permanente não pode se render ao espetacular e ao imediato eleitoreiro e virar evento cênico e cínico de governantes que venham se vangloriar de fazer aquilo que há décadas deveriam ter feito.

Outro risco é que no ímpeto hobbesiano, o leviatã venha agredir os direitos daqueles que não por escolha, mas por contingência, são vizinhos das bocas de fumo e de grupos criminosos e situam-se com filhos esposas e amigos num território de guerra e que podem vir a ter sua privacidade, sua intimidade e porque não sua propriedade e, sobretudo, sua segurança inviabilizada por quem deveria protegê-los. Por isso, a imprensa e o poder público devem conclamar os moradores dessas comunidades a abrirem voluntariamente suas casas em nome da pacificação, mas cabe lembrá-los que eles não são obrigados a isso.

Ainda vale lembrar que tudo isso poderá ser em vão se não houver no país uma ação jurídica permanente e abrangente capaz de responsabilizar e punir outros beneficiários – tubarões da lavagem de dinheiro – que vivem ostentando uma riqueza incompatível com suas atividades profissionais. Ou seja, se pudermos obrigar todo cidadão a provar a origem de seu patrimônio, estenderemos o braço do leviatã de Brasília ao complexo do alemão, passando pelos mega sonegadores-contrabandistas e importadores ilegais de armas que vivem nas favelas, mas também residem em muitos condomínios jamais visitados pelo BOPE.

Agora José Padilha terá que fazer um filme brasileiro com happy end tropa de elite III: o Estado contra o crime, pois a realidade ultrapassou a ficção!!!

Marcelo Lima  é professor Adjunto do DEPS-CE-UFES –mlufes@gmail.com