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Jornalismo e aprendizagens que a vida traz

Por Fátima Côgo*

Igual a muitas mulheres de minha geração vivi um tempo em que nosso lugar socialmente estabelecido eram os cuidados com a família e com a casa, a nossa velha conhecida profissão do lar.  A virada para um novo espaço de trabalho levava quase sempre ao magistério, o mais comum emprego das mulheres durante muito tempo.

Foi também como professora que trabalhei antes e durante o curso de  Comunicação Social/Jornalismo na UFES, a Universidade Federal do Espírito Santo, nos idos 1978. Estar na universidade naqueles tempos contribuiu para novas rotas na minha  trajetória numa família de descendência italiana, católica, de Castelo, interior do Espírito Santo.  

Mais um tempinho no magistério e fui migrando para trabalhos no jornalismo. Temas pungentes como o racismo contra o povo negro ou relacionados à mobilidade urbana, tratada pelo embrionário projeto de criação do Sistema Transcol na Grande Vitória, estavam na pauta dos meus primeiros trabalhos jornalísticos para as extintas revistas Agora e Espírito Santo. Posso dizer que os “frilas” para aquelas publicações foram verdadeiros passaportes para o meu primeiro emprego como repórter em A Tribuna, nos idos anos 1982.

Inegavelmente, o antigo jornal A Tribuna foi uma verdadeira escola de aprendizagens, com uma equipe de jovens recém saídos da universidade e de veteranos jornalistas que se exercitavam na desafiadora arte do jornalismo, da política, e do sindicalismo. Éramos uma sólida parceria na batalha por melhores condições de trabalho e por melhores e democráticos dias.

A velha Tribuna fazia expressivas coberturas de questões políticas econômicas e sociais e, neste campo, uma das mais marcantes foi a ocupação de São Pedro, em Vitória, um movimento de muita resistência e de ampla participação de mulheres.  

A efervescência social,  sindical e política daqueles dias de 1980 se constituía em ações e em mobilizações pela reconstrução da Democracia e envolvia movimentos como as Comunidades Eclesiais de Base, ligada à Igreja católica progressista, as Diretas Já, pautadas pelo retorno de eleições e por uma sociedade livre do jugo militar, pelo nascimento e pela construção do Partido dos Trabalhadores e pela participação popular em torno da Constituinte de 1987.

As mobilizações na construção de espaços democráticos marcavam nossas formas de inserção popular e, sem qualquer dúvida, deram novos sentidos à minha existência como mulher e como pessoa no mundo. 

Fechado o jornal A Tribuna, após uma de nossas greves, fui enfrentar novos trabalhos e novas linguagens jornalísticas, recomeçando na Cooperativa dos Jornalistas que abrigou um grupo bem pequeno de egressos de A Tribuna. Muitas atividades culturais e jornalistas demarcavam aqueles nossos dias.

A partir de então foi um verdadeiro mundo de redações. Sim, digo redações, no plural, por ter trabalhado em diferentes empresas de Comunicação, muitas vezes, conciliando  empregos porque o salário de jornalista era e continua muito baixo.

Embora tenha começado minha carreira no jornalismo impresso foi o universo da televisão que me capturou. Mais precisamente, o trabalho na TVE, a TV Educativa do Espírito Santo, onde trabalhei com pessoas aguerridas e ousadas. A TVE inovava na comunicação mesmo enfrentando uma estrutura de enorme limitação técnica/tecnológica, salarial e de pessoal. Ou seja, de falta de quase tudo. 

Mas aquela situação, ao invés de nos desanimar, nos movia a seguir adiante. Foram mais de três décadas de trabalho na TVE e na Rádio Espírito Santo, desempenhando diferentes funções jornalísticas. Foram muitas as nossas greves e as nossas mobilizações nas duas emissoras por melhores salários e por melhores condições de trabalho.

Nós, do coletivo sindical e social, sabíamos quase de olhos fechados aquele caminho entre a avenida Jerônimo Monteiro e o Palácio Anchieta, até hoje, lugares de manifestações dos movimentos.

Por certo, a própria profissão, a participação e a atuação nas greves e nas mobilizações naquele período pavimentaram meu caminho ao Sindijornalistas/ES. Tão logo comecei a trabalhar como jornalista fiz minha sindicalização e posso dizer que meu ingresso na direção do sindicato, em fins dos anos 1980, seguiu um curso natural. Acabei me tornando a primeira presidenta da entidade em substituição ao titular que se afastou e, entre idas e vindas, continuo até hoje na diretoria.

Passados todos estes anos continuamos a fazer no movimento sindical, o devido enfrentamento às práticas vorazes e nefastas do capital em suas ações de destruição de direitos trabalhistas. E com as garras da extrema direita rondando nossas árduas conquistas sindicais, políticas e sociais, é sempre tempo e hora de defender o jornalismo e a Democracia como espaços  vitais de expressão da sociedade. E é tempo, também, de trabalho e de resistência para manter vivo o próprio sindicalismo cada vez mais ameaçado por políticas destrutivas da organização sindical.  

Retornei ao magistério nos anos 2000 para dar aulas de jornalismo em uma faculdade local e vi a importância de continuar aperfeiçoando meus conhecimentos. Assim, também naquela década, fiz mestrado de Educação na UFES e pesquisei na instituição onde trabalhava, a questão ética no jornalismo a partir do ensino-aprendizagem em sala de aula.

Entendo escola como um de meus lugares de referência enquanto ser aprendiz e, mais uma vez, regressei à UFES anos depois para fazer doutorado, também em Educação, quando pesquisei a cobertura do jornalismo de televisão local sobre meio ambiente/educação ambiental. Imenso desafio e a constatação que eram poucas as noticias sobre  a questão ambiental no Espirito Santo e, menos ainda, as que mostraram a vital importância do ambiente em nossa existência.

Hoje concílio atividades no Sindijornalistas/ES, com as de um grupo de trabalho, o Fina Sintonia, formado por jornalistas e por pesquisadores na área de música, e voltado a projetos na área do jornalismo cultural.

Difícil parar de vez. Jornalismo, para mim, é modo de vida e, também,  exercício e carpintaria em minha trajetória de mulher e de ser no mundo.

Olhando pelo viés do jornalismo é certo que nós, mulheres, fizemos consideráveis conquistas. Mas também é certo que temos que batalhar muito para conseguir mais autonomia,  independência e igualdade de direitos.

Somos as filhas de uma sociedade marcada pela diferença de gênero onde  o capitalismo impõe a histórica desigualdade salarial entre homens e mulheres e onde o feminicídio mata, muitas vezes, pelas mãos da própria  família.  

Nossa luta, iniciada por nossas ancestrais em busca de melhores dias, é cotidiana. Queremos, cada vez mais, ser sujeitos em nosso próprio tempo, ter assegurados e garantidos nossos direitos enquanto mulheres, mas queremos, também, um país mais justo, mais democrático e mais igualitário. Queremos que nossas vozes sejam ouvidas, e mais do que isto, que sejam respeitadas.

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Fátima Côgo é diretora administrativa do Sindijornalistas/ES. Trabalhou nas revistas Agora e Espírito Santo, na Cooperativa dos Jornalistas e na Assessoria de Imprensa da Secretária de Agricultura e da Vice Governadora/governo Albino Azeredo (1991/1995),  na rádio Espírito Santo e nas televisões Educativa, Gazeta, Vitória e Faesa e nos jornais A Gazeta e A Tribuna. Foi professora em escolas no município de Cariacica/ES e na Faesa.