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Não podemos perder essa aula

Suzana Tatagiba – Estou estarrecida, acho que a palavra é essa, com a cobertura que nossos colegas vêm dando a greve dos rodoviários. Ontem, até fui atrás da letra da música do Chico Buarque “Acorda Amor”. Música que ele fez na ápoca da ditadura falando do medo que todos tinham dos militares entrarem em suas casas, principalmente à noite. Sei lá, me veio essa impressão vendo as coberturas dos jornais, TV’s e rádios. A sensação que eu tive é que a qualquer momento essa música ia ser o BG das reportagens dos jornais de TV.

Por que todos os rodoviários são praticamente taxados de “criminosos” porque não cumpriram determinação judicial? Agora, me respondam: quem cumpre decisão judicial nesse Brasil varonil é só trabalhador? Por acaso os valores que o Tribunal de Contas mandou que vários prefeitos e governadores devolvessem aos cofres públicos foram devolvidos? Por acaso, os gestores públicos envolvidos em falcatruas e desvio de recursos públicos foram presos? Seus bens foram tomados para pagar os desvios? Esses casos já têm até sentença.

E, por acaso, os jornais, TV’s e rádios falam desses assuntos? Correm atrás dessas matérias? Não, ninguém vai atrás desses temas e nós sabemos o motivo, né?? Por acaso, as pessoas sabem que a Constituição proíbe que parlamentares tenham veículos de radiodifusão. Dá vontade de rir, né ? Mais de 100 deputados e senadores têm concessões de rádio e TV. Por que não acabam os comerciais de bebidas alcóolicas ? a resposta é simples: a bancada do álcool e da comunicação é grande e faz pressão.

Os jornalistas ganham mal, o piso é baixo, sabemos disso, mas, pelo menos, está fixado em Convenção Coletiva de Trabalho. Poderíamos ter conseguido mais. Somos uma categoria qualificada, cobrada, que tem de estar a par de todos os acontecimentos diários. Mas, infelizmente, somos uma categoria apática. Não temos “fibra” para lutar pelos nossos direitos e, portanto, nossas conquistas são baixas, pequenas. Mas, foram conquistadas com uma luta intensa e cansativa; uma luta com pouca participação e atenção dos trabalhadores jornalistas. Aliás, gostaria de entender o porquê.

É, na verdade, um grande paradoxo. Cobrimos todos as categorias, sabemos como os outros trabalhadores têm suas conquistas, falamos bem, falamos mal, vamos às assembléias desses trabalhadores, sabemos tudo deles. E não sabemos nada sobre nosso próprio “umbigo”, sobre nossa categoria. Uma lástima!

É triste ver, ouvir e ler matérias de nossos colegas reproduzindo os discursos e as decisões patronais. Teve gente que só faltou pedir a cabeça dos rodoviários; aliás, faltou só um pouquinho para essa ser a manchete do dia. Aí, fico pensando… os rodoviários ganham um piso de R$ 1.050,00. Nós, jornalistas, ganhamos um piso, somente na Capital, de R$ 1 mil. No interior, é de R$ 750.

Eles querem aumentar o valor do tíquete- alimentação. Nós não temos tíquete-alimentação. Eles querem passar a jornada de trabalho de 7 para 6 horas. Nós enfrentamos uma grande batalha para ter nossa carga horária de 5 horas respeitada. Em muitos casos, como nos órgãos públicos, não há esse respeito à Lei que regulamenta nossa profissão. Nossa carga horária de 5 horas foi instituída em 1938, por Lei, e não é cumprida. Nas empresas, poucas, onde existe plano de saúde, os jornalistas pagam uma parte desse plano e, no jornal A Tribuna, a discriminação é freqüente, pois os maridos não podem ser dependentes nos planos de saúde das mulheres jornalistas.

Também não lembro, e olha que estou nessa vida de sindicalista há muitos e muitos anos, quando tivemos um ganho real nos nossos parcos e maltratados salários. Sempre recebemos a reposição da inflação, mas já ficamos alguns bons anos sem nem receber essa reposição integral.

O quadro não é bom. Estamos sempre em desvantagem, mas sempre queremos passar outra imagem para a população. Somos pobres, mal remunerados, mal avaliados e ludibriados, na maioria das vezes. Não podemos pagar as revistas, livros e cursos que devemos.

Em vista disso tudo, acho que nós, jornalistas, pegamos o bonde, o trem, errado. Ao invés de só bater, bater, querer a cabeça dos outros trabalhadores que têm coragem, nós devíamos é aprender com os rodoviários como lutar por salários e condições de trabalho mais dignas.

Suzana Tatagiba é presidente do Sindicato dos Jornalistas